JOSUÉ DE CASTRO: POR UM MUNDO SEM FOME.


Todos os anos, a Fundação Banco do Brasil em parceria com a Fundação Assis Chateubriant promove um concurso de redação sobre uma personalidade da historia brasileira, que tenha contribuido para o progresso social do país. No ano de 2004, foi promovido o "10º Prêmio Nacional Assis Chateaubriand/Projeto Memória - Fundação Banco do Brasil", o tema era Josué de Castro, pioneiro no estudo sobre a fome no Brasil e no mundo.

Eu participei com a redação abaixo e agora publico neste blog, tendo em vista a atualidade da tema:
-----------------------------------------------------------------------------------
JOSUÉ DE CASTRO: ALIMENTANDO A LUTA CONTRA A FOME.

            O homem do século XX, sempre sonhou com um terceiro milênio de paz, harmonia e desenvolvimento tecnológico, mas infelizmente o cenário atual decepcionou o pior dos pessimistas. O século XXI caiu sobre nossas cabeças com todas as mazelas que marcaram o passado, elevadas a uma potencia ainda maior. Políticas neoliberais que geram desemprego e aprofundam abismos entre ricos e pobres; O nacionalismo, o regionalismo e a xenofobia ressurgem com toda força, gerando conflitos e guerras civis; O fundamentalismo religioso espanta o mundo com aviões e carros bombas. A natureza agoniza com a degradação ambiental. Definitivamente, não era o terceiro milênio de nossos sonhos.

            O muro de Berlim desabou sobre aqueles que acreditavam no sonho socialista de um mundo igualitário. Ficamos órfãos de utopias. Como diria Jhon Lennon: “O sonho acabou”.
            Décadas atrás, um homem anteviu todo este quadro, denunciando as condições de vida de milhões de homens, condenados à fome, não por causa de efeitos naturais, mas pela decisão política dos poderosos. Pioneiro no estudo da fome no País e no mundo, Josué de Castro, como ninguém, soube construir uma ponte entre o possível e o ideal, entre o real e o sonho.  Como ele mesmo se definiu: “a história de um menino pobre abrindo os olhos para o espetáculo do mundo, numa paisagem que é, toda ela, um braço de mar – um longo braço de mar de misérias”.
            Na base de todos os problemas sociais que afligem o mundo, está a desigualdade entre os homens frente às dificuldades da vida. Nos primórdios da humanidade, prevaleceu a lei do mais forte. O advento da civilização trouxe as dinastias que controlavam os impérios. Nos últimos séculos com o surgimento do capitalismo, o dinheiro assumiu o comando. Os homens sempre estiveram divididos entre fortes e fracos, entre nobres e plebeus e entre ricos e pobres.

            Claro está que cada um de nós tem a sua individualidade e o seu potencial,  mas essa desigualdade que existe no mundo é artificial, gerada pelo próprio sistema econômico e social vigente. Karl Marx afirmava que a desigualdade de condições de instrução e nutrição altera o jogo da vida, o resultado da luta não indica qual seja realmente o melhor, mas sim o que está socialmente melhor armado.
            A face mais cruel da desigualdade está na alimentação. Uma parte da humanidade está morrendo por comer demais, com o crescimento alarmante da obesidade entre os ricos, com altas taxas de colesterol e triglicérides entupindo- lhes  as artérias. Enquanto isso, uma parte morre de fome.

Josué de Castro concluiu que um dos maiores erros da nossa sociedade é deixar centenas de milhões de indivíduos morrendo de fome num mundo com capacidade quase infinita de aumento de sua produção e que dispõe de recursos técnicos adequados à realização desse aumento. Os contrastes da atual globalização atualizam este pensamento.
            A concentração de riquezas não para de crescer. O numero de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia sobe de 1,2 bilhão na década de oitenta para 1,5 bilhão no final dos anos noventa. Quase um bilhão de pessoas passam fome no mundo. A economia cresce, o ritmo do crescimento demográfico cai, mas a miséria aumenta. A oferta mundial de alimentos cresceu mais de 20% nos últimos vinte e cinco anos, sendo mais do que suficiente para atender a demanda teórica de 2500 calorias/dia por habitante da terra.
            O Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, tem a maior parte de sua produção centrada em produtos para o mercado externo. As lavouras destinadas ao consumo interno, como arroz e feijão apresentam queda na produção. O resultado deste quadro é cinqüenta milhões de brasileiros na escala da indigência.

            Antes das obras de Josué de Castro, o tema da fome no Brasil era um tabu. Uma conspiração de silêncio havia sobre o assunto. Até hoje evitamos o tema, assim como evitamos olhar um mendigo deitado na calçada, porque enxergamos nele nossas próprias misérias, o retrato vivo do nosso fracasso. Nos escondemos, assim como Caim o fez quando o Criador perguntou: “onde está o seu irmão?”. 
            O geógrafo e historiador Manuel Correia de Andrade, escreveu que “antes de Josué, conhecia-se a fome, mas não se falava nela”. O jornalista Barbosa Lima Sobrinho foi mais longe: “O Brasil tem duas cartas de descobrimento, a primeira é de Pedro Vaz de Caminha, a segunda é Geografia da Fome, de Josué de Castro”.

            Josué de Castro nasce no Recife, em 1908, no seio de uma família de classe média de origem sertaneja. A sua formação em medicina o levou a pesquisar os efeitos da miséria na saúde humana. Lecionou em diversas faculdades, sempre procurando despertar em seus alunos, o senso crítico do intelectual perante os problemas do mundo. Dirigiu diversos organismos nacionais e internacionais na área de alimentação e agricultura.
            A política não poderia ficar de fora da vida deste grande homem, em 1954 é eleito deputado federal por Pernambuco. Esteve ao lado de João Goulart na implantação das reformas de base. Comungava com aquele presidente, o desejo de mudar o país com a reforma agrária, com a extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais, com a intervenção estatal na economia para regular o papel das multinacionais e a evasão de divisas.
            Mas o capital internacional e as elites nacionais tinham outros planos (inconfessáveis) para o Brasil. Em 1964, um golpe militar implanta no país uma longa noite de vinte anos de autoritarismo, concentração de renda e empobrecimento financeiro e cultural das classes populares. Josué de Castro tem seus direitos políticos cassados.     Exila-se em Paris.  O seu palco agora era o mundo. Continuou estudando a fome e colaborando com inúmeras entidades internacionais. Após dez anos de exílio morre sem rever seu país natal. 
            A fome e a miséria sempre foram mostradas como resultados de fatores étnicos e climáticos. As idéias de Josué de Castro foram um verdadeiro tapa na cara de quem defendia tais teses. Mostrou que a fome era resultado de mecanismos perversos criados pelos próprios homens. Desde os tempos coloniais, passando pelo império e continuando na republica, a estrutura de poder sempre foi baseada na exclusão social.
            Demonstrou  que a fome se divide em dois tipos. A fome aguda é causada por extremas condições de miséria, com a ausência total de alimentos. A fome oculta, talvez a mais comum, é aquela que o homem come pouco e mal, havendo deficiência alimentar em proteínas, sais minerais e vitaminas. São, portanto,  dois tipos de famintos: os que não comem e os que comem mal.

            Uma obra marcante de Josué de Castro é “Homens e Caranguejos”, romance autobiográfico, publicado em 1967. Neste livro faz uma importante revelação ao mundo: “Esta foi a minha Sobornne: a lama dos mangues do Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo”.
Nesta obra, ele cria a metáfora do “homem-caranguejo”. A partir da visão de homens miseráveis, enterrados na lama do mangue para caçar estes bichinhos para vender aos requintados restaurantes da cidade. Um paralelo entre a vida destes animais e a dos excluídos, lutando contra a fome no meio da lama, esperando que a maré traga um pouco comida, seja o que for, lixo, restos e até excrementos.
            Na ultima década do século vinte, um grupo de jovens artistas pernambucanos resgatam esta obra de Josué, com a explosão do movimento manguebeat. Em  “Da lama ao Caos”, Chico Science canta: “Vi um caranguejo andando pro sul, saiu do mangue, virou gabiru; Oh Josué, eu nunca vi tanta desgraça”. 
            O cantor refere-se a uma nova metáfora, o “homem-gabiru”, que seria a versão favelada do “homem-caranguejo”.  Gabiru é um rato de esgoto, que come restos e vive escondido dos outros homens. Assim como os excluídos, que depois de trabalhar na cidade, construindo a riqueza dos outros, esconde-se em barracos pendurados nos morros. Levando para longe dos narizes burgueses o fedor de sua pobreza.
            Josué de Castro combateu os neomalthusianos que afirmavam que a fome no mundo é conseqüência da explosão populacional, que cresce mais do que a produção de alimentos. Segundo ele, tais teorias apenas atribuem a culpa da fome aos próprios famintos.  Na festa da vida, a grande questão não é diminuir o numero de convidados e sim aumentar o banquete.
            Os governantes brasileiros sempre cuidaram da maneira errada do problema da fome. No nordeste criou-se a chamada industria da seca, com distribuição de cestas básicas e frentes de trabalhos. Tudo comandado por coronéis locais que transformavam a miséria em dividendos políticos.

            O atual governo assumiu com o compromisso de erradicar a fome no Brasil, ainda é muito cedo para tecer criticas ou comemorar resultados, esperamos que a condução do processo seja honesta e transparente. Não queremos que os antigos coronéis sejam substituídos por lideres comunitários e prefeitos desonestos na administração desses recursos e na escolha das famílias a serem assistidas.
            O educador Paulo Freire dizia que ninguém opta pela tristeza e pela miséria. O pobre só necessita de uma pequena força para que saia desta condição. O custo da erradicação da miséria não é muito grande, falta apenas vontade política, honestidade no trato do dinheiro público e participação da sociedade para o resgate dessa dívida. Apenas um exemplo: a construção de uma cisterna para recolher água da chuva no sertão nordestino, custa cerca de três salário mínimos e sustenta uma família por um ano.
            Temos de destacar também o importante papel desempenhado pelas igrejas no combate á fome. A “Pastoral da Criança” é hoje uma referência mundial. As denominações evangélicas também se empenham na luta contra a exclusão. Atitudes afinadas com a epistola de São Tiago, onde se afirma que a fé sem o compromisso de transformação da situação dos pobres é estéril e morta. O teólogo Leonardo Boff afirma que o reino de Deus tem certamente, sua origem no céu, mas começa já agora aqui na terra sempre que se implantam níveis novos na redução das desigualdades sociais.
            Josué de Castro desmascarou o fantasma da fome, mostrando-nos que todos nós, sociedade e governo somos culpados por condenar milhões de irmãos à miséria e ao desespero. A cada segundo que permanecemos de braços cruzados, um ser humano está morrendo em algum lugar do planeta.             Falta apenas coragem, “para a gente sair da lama e enfrentar os urubus” (Chico Science).   

Comentários

Anônimo disse…
We provide all kinds of dear prominence s that sink in fare in a difference of styles,[url=http://www.sexydress4prom.com]cheap prom dresses[/url]
[url=http://www.dresswomen.net]affordable wedding dresses[/url]
[url=http://www.weddingideas4u.com]discount wedding dresses[/url]
[url=http://www.weddinghow.net]cheap wedding dresses[/url]
[url=http://www.safeandsoon.com/]cheap wedding dresses[/url]
colors and sizes at wholesale price.All are cheap with trendy styles compound apparels including draughtsman combining adorn, strand combining dresses, bridal gowns, bridesmaids dresses, prom outfits, cream girl dresses & mother dresses.Even we can accommodate the services of on the loose area customization and manumitted together with size Snitch on affordable stunning joining dresses at this very moment!lift avid shopping, dress to the letter looking for the big juncture with the expropriate of G-marry bridal.


http://www.weddingideas4u.com
Anônimo disse…
you will like [URL=http://e--store.com/]outlet louis vuitton[/URL] at my estore QrGzZcGv [URL=http://e--store.com/ ] http://e--store.com/ [/URL]
Anônimo disse…
I am sure you will love hNUgshUz [URL=http://www.moncler-outlet2013.org/]moncler coat[/URL] for more detail wEXcQkBh [URL=http://www.moncler-outlet2013.org/ ] http://www.moncler-outlet2013.org/ [/URL]
Anônimo disse…
order an FBVVAJub [URL=http://www.moncler-outlet2013.org/]moncler down jacket[/URL] with confident SQvNzYKL [URL=http://www.moncler-outlet2013.org/ ] http://www.moncler-outlet2013.org/ [/URL]
Anônimo disse…
you must read unObhvEo [URL=]designer outlet[/URL] at my estore ZGpkdwRe [URL= ] [/URL]

Postagens mais visitadas deste blog

ESTADOS UNIDOS: O COMEÇO DO FIM!

FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA